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" Viva a Poesia! "

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

ELEMENTOS PERECÍVEIS

Quatro fedorentos e rachados pares de pés caminham incessantemente pelos becos imundos. Quatro corpos perdidos, adultos sofridos, crianças inocentes iludidas pela temperatura insana. As vozes sem nexo, os gritos de desabafo em silêncio, o choro fora de hora. Mas quando será hora certa afinal? Cáries e tártaros assassinos atacam fragmentos de dentes em bocas vazias de alimento. Nos bordos das pálpebras lágrimas misturam-se à remela matinal em olhos ainda esperançosos. Quatro pares de mãos com dedos e unhas sujas reviram sacos e latões de lixo à procura de algo para saciar a fome. Quatro corpos sofridos, adultos perdidos, crianças inocentes enganadas pela febrícula que de um certo modo aquenta um ao outro.
Imaginemos esses pés “calçados”. Seus pés, vinte e oito. O esquerdo calça trinta e dois, o direito tenta um vinte e seis. O esquerdo refresca o dedão involuntariamente, o direito aperta o mindinho necessariamente. O esquerdo, patriota, calça um verde-oliva e amarelo-ouro, o direito – comunista – tenta calçar um vermelho-sangue. Seguem ou ficam “calçados”.
Imaginemos esses corpos “vestidos”. Seus corpos magros e tortos, curtos e negros pelo sol. A caçula veste o blusão improvisado de estopa que pertence ao mais velho, revezam. O mais velho tenta vestir-se, consegue usar o calção da caçula, revezam. O pai e a mãe tentam fazer esse papel, e à noite, tentam aquecer seus filhotes sob corpos seminus. Sobre calçadas úmidas e sujas dividem um pequeno espaço com alguns insetos. Dormentes ou insones permanecem “vestidos”.
Imaginemos essas vozes e gritos “causando efeito”. Suas vozes tímidas e fracas, seus gritos surdos e ineptos. O mais velho grita em reclamações pelo frio insistente, grito inútil. A caçula chora, resmunga e soluça, seu estômago vazio, nada para embrulhar. O sono não chega. O pai e a mãe apenas resmungam pedindo ao Pai: dias, noites e madrugadas melhores. Permanecem insones ou dormentes sem efeito algum.
Um quarteto perdido na multidão perdida e cega. Quatro mentes indolentes diante da complexidade humana. Indagam-se, quando podem. Perguntam e suplicam a um ser superior, quando podem. Quando podem adormecem, sem o direito de sonhar. Um outro dia despontará. Percorrerão o mesmo caminho, ou um outro. Caminhos mais limpos pisarão, ou mais sujos, ou iguais. Sacos e latões mais recheados revolverão, ou vazios, ou iguais.
Quatro esfarrapados corpos despertam na manhã, ou apenas abrem os olhos. Olhos desnorteados. Nova remela. Os caminhos longos, os becos estreitos, limpos ou sujos os esperam.
Uma carícia brusca na caçula e de súbito um cafuné no garoto ao despertar, ou abrir de olhos, provocam dois inesperados e repentinos sorrisos os quais provocam nos pais suspiros quase que confortáveis.

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