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" Viva a Poesia! "

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

CONSUMO


Em minha residência dificilmente (dificilmente corresponde aqui a “quase” impossível) entra maionese, molho de tomate, extratos, qualquer enlatado, muito menos produtos fora da validade impressa nos recipientes – vidro, plástico ou papel. Certo dia, ao chegar do supermercado, minha esposa perguntava: olhou a validade? Tá dentro do prazo de validade? Viu a data? Eu peguei uma caixinha de maionese e girei pra lá, pra cá e disse: doze de novembro – era um fim de tarde de terça-feira, onze de novembro.
– O quê? – Interroga brava e preocupada. A maionese já havia entrado em nossa casa sob resistência. Porém, eu havia mentido a respeito da data de validade. Comi da salada.
Uma senhora dizia que não consumiria produtos estrangeiros de forma alguma, principalmente produtos americanos. Estampas em suas blusas, camisas, bonés, só estampas nacionais. Ela se preocupava em observar se algo era ou não nacional antes de consumir. Ela já deixou de participar de vários eventos por presenciar destaques ou alguma apologia a algo estrangeiro. Não vestia as cores vermelha, branca e azul juntas – tinha pavor dos Estados Unidos. Não usava a cor vermelha – lembrava a Rússia. Branca e vermelha, nem pensar – lembravam o Japão. Geralmente suas vestes eram ou todas em branco (não se lembrava da mente de alguns patriotas) ou todas em preto (não se lembrava das trevas em que se encontrava seu país).
Essa senhora visitava uma amiga durante a festa natalina. Alegria, confraternização, discussão sobre o passado ano, novidades, surpresas. Hora de dormir, escovou seus dentes e foi à cama. Agradeceu a Deus por ter amigas tão leais, a ter vivido mais um dia. Dormiu.
A amiga, preocupada, no dia seguinte acordou logo cedo. Encontram-se à mesa para o café da manhã.
– Mulher, esqueci de colocar seu creme dental no banheiro.
– Ah, querida! Encontrei creme dental... não diga... não diga que aquele creme não é nacional.
– Não viu?! É fabricado em New Jersey. – Disse a amiga desolada. A outra, irritada, dirige-se ao mais próximo dentista e torna-se banguela totalmente.
Em “reuniões etílicas” (expressão usada por um amigo lá do norte para designar nossos encontros de bebedeira) lemos textos diversos, sem a preocupação com datas de validade. Setembro, janeiro, quinze, dezoito. Sem a preocupação inquietante em saber quem são seus construtores. Alcântara, Alcar, Drummond, Rimedualc, Moraes, Matias, Ramos, Navi, Pereira...
Lemos, vivemos, degustamos poesia.

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