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" Viva a Poesia! "

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

DO LADO OPOSTO DA PORTA

Quando Seu Pedro chegou para mais uma jornada de labuta, naquela manhã fria de terça-feira, encontrava-se sentado à escrivaninha Doutor João. Com seu semblante inexpressivo, todavia, com sua delicadeza singular, folheava o livro de ponto. Doutor João, o legista, também se preparava para seu dia de trabalho. Nessa terça-feira havia chegado quatro corpos masculinos vítimas de um assalto fracassado a uma agência bancária. Aquela pacata cidade de repente estava perdendo seu ar de tranqüilidade. Seu Pedro sempre comentava com seus vizinhos e com seus companheiros de trabalho o quanto aumentava a violência naquele lugar. O legista recolhe seus instrumentos de trabalho e dirige-se ao local para iniciar seu ofício. Seu Pedro também se apodera de seus utensílios de ocupação (um escovão e uma pá) e inicia pelos corredores estreitos e longos seu serviço. Ao parar em frente à sala de necropsia o faxineiro ouve uma voz baixinha vinda do ambiente:
− Que desperdício! − Curioso, ele continua para à porta.
− Ah, como era grande! grosso! bem volumoso mesmo. Eu devia ter pegado mais firme. Nem caberia em minha boca. − Sendo o legista efeminado, Seu Pedro já imaginou coisas. Sendo o faxineiro ignorante, machão, já resmungava criticando o médico. Em voz baixa xingava de forma excessiva. Para ele o médico estava agindo indevidamente.
− Vou pegá-lo no flagra. − Pensou Seu Pedro. Esbarrando na porta, abrindo ele entrou. Depara-se com o médico porto de cócoras tentando apanhar um grande pedaço de sanduíche que havia caído de suas mãos.
Um corpo negro e forte encontrava-se na primeira bandeja. Um projétil havia perfurado a região central do cérebro.
− Ele gostaria de ser cremado, e pede para que avise a sua família a respeito desse desejo, pois nunca havia comentado. − Diz em voz calma e lentamente o faxineiro.
− Como? O senhor o conhece, Seu Pedro? − Indaga o legista.
− Não, nunca vi esse pastor.
− Pastor?!
Na segunda bandeja encontrava-se um corpo gordo e branco. Três perfurações no peito esquerdo e uma no fêmur.
− Ele pede perdão por seus atos para com Jonas, o garoto da primeira fila.
− O que dizes homem?
− Sim, o padre pede esse perdão.
− Padre?!
Na terceira bandeja um corpo separado do seu braço esquerdo. Um tiro, grosso calibre, havia almejado seu peito.
− Ele diz que não queria acertar a moça, e que foi um acidente. − Explica o faxineiro.
Um corpo garboso ocupa a quarta bandeja. Um tiro atingiu a fronte. Seu Pedro olha o corpo, observa o legista e diz:
− Esse aí seria eleito nas próximas votações. Ele diz que o povo não sentirá sua falta.
Seu Pedro, o médium, sai da sala rapidamente. Doutor João continua em seu trabalho.
Final de expediente. O legista, sensível aparentemente, deixa seu setor de trabalho. Ao passar em frente ao banheiro ouve uma voz baixinha vinda do recinto:
− Que desperdício! − Curioso, ele pára em frente a porta.
− Ah, como é grande! grosso! bem volumoso mesmo. Eu devia ter pegado mais firme e antes. Nem cabe em minha boca. − Sendo o legista sabedor da gula do faxineiro imagina:
− Seu Pedro deve estar comendo escondido, vou pegá-lo no flagra. − Esbarra na porta e perplexo depara-se com o faxineiro abraçado com o vigilante entre carícias.

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