Majal-San (post.)

Visualização de número:

Encontre / Find

" Viva a Poesia! "

quarta-feira, 3 de março de 2010

SEM DESPEDIDA

Pele enrugada cobre mãos trêmulas, pernas fracas, face triste. À minha esquerda um corpo ou apenas um vulto em forma de “esse”. Aqui neste banco gelado de uma praça deserta, numa noite fria, encontro-me em companhia de um desconhecido. Tento encontrar-me com o desconhecido. A incógnita. O mistério. O vulto à minha esquerda teima em permanecer calado. Seus frágeis (aparentemente) membros de vez em quando proporcionam um mínimo movimento. Seus olhos (com mais freqüência) desviam-se de um lado a outro, parece até que está à espera de alguém.

Tento fitar o desconhecido. O ignorado. O impenetrável. A figura à minha esquerda é real. Quase que imóvel, mas real. Murmúrios incompreensíveis saem não sei de onde. Esses murmúrios vêm desse corpo que permanece ao meu lado. Pergunto-me o que ele espera. Pergunto-me o que ele observa e o que deseja com seus olhos tão inquietos. Não me dirijo a ele. Também teimo em me calar. Observo.

À minha direita, no chão, um maço vazio amassado de cigarro cujo ex-dono em breve estará distante, talvez tanto quanto amassado. Esse ex-dono, eu. À minha esquerda uma carcaça torta sentada no banco gelado. Carcaça com algum recheio ainda. Crânio quase fixo apesar da convulsão anciã. Crânio possuidor de um cérebro com o dobro da minha idade. E eu aqui, à direita, tentando desvendar o que situa aquela mente. Seria um câncer? Seria uma nobre idéia? Seria a triste nostalgia? – Assim vou me perguntando. Mas permaneço calado. O vulto, o corpo, a carcaça ao meu lado não profere nenhuma resposta. Não ouve, não falo. Não responde, não pergunto. Apenas o silêncio mútuo. Silêncio da noite, do vulto, nosso silêncio.

Seus braços magros (trêmulos) movem-se lentamente retirando algo de uma valise que repousava à sua esquerda. Em suas mãos um álbum de fotografias antigas – suponho. Passando página por página com dificuldade enquanto uma nítida lágrima rola em sua face cansada. Aquela convulsão subitamente torna-se mais forte, e mais, e mais, e mais, mas seus olhos continuam direcionados ao álbum, o álbum preso às trêmulas mãos. Tenta levantar-se. Não o ajudo, observo. Consegue. A convulsão parece aumentar cada vez mais. Fico assustado ao ver aquela carcaça trêmula que não mais tem forma de “esse”, agora é um “cê” trepidante segurando um álbum de fotografias. Contudo, permaneço estático e mudo. Vejo algumas pessoas evitando a queda do corpo. Cuidadosamente é posto em um veículo que se desloca apressado.

Tendo partido o meu silencioso companheiro restam o maço amassado, o álbum aberto no solo, na praça, o banco gelado, o mistério. E eu?

Nenhum comentário:

Postar um comentário